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Perigo: idosos que cuidam de idosos

  • Paula Span
  • 31 de jul. de 2015
  • 5 min de leitura

A morte súbita de um viúvo ou viúva que passou anos cuidando do cônjuge não é romântica como pode parecer. Muito provavelmente teve origem no estresse da dedicação noite e dia ao parceiro. Não só morte prematura, mas também depressão e outras doenças crônicas podem afetar o cuidador idoso que, hoje, nos Estados Unidos, já representam mais de sete por cento do total de cuidadores voluntários. A porcentagem tende a ser maior nos países mais pobres.

Por Paula Span, do The New York Times

Foto: The New York Times

Gail Schwartz quer manter o marido, de 85 anos, sob seus cuidados em vez de recorrer a uma enfermeira, mas não é fácil! David Schwartz, advogado aposentado, tem demência e não pode ficar sozinho. A esposa cuida dele de segunda a sábado da uma da tarde às 11 da noite, e o dia todo aos domingos.

A cada manhã, quando sai para fazer exercícios, cumprir tarefas de banco ou supermercado e fazer seu trabalho voluntário, ela não relaxa: controla à distância, por telefone, a pessoa que contratou como ajudante. “Fico alerta o tempo todo”, diz: “Quando faço compras no supermercado, fico me perguntando se o David está bem”.

Recentemente, Gail contratou um ajudante para o período da noite porque ela começou a se sentir deprimida e a acordar muito cansada em função das constantes interrupções no sono para atender o marido de madrugada. Passou a dormir no quarto vizinho, deixando a cama do casal. “Eu preciso do meu descanso, estou descuidada de mim mesma”, explica.

Gail Schwartz tem 78 anos. Enquanto julga que o marido está melhor em casa – “comigo ele tem 24 horas de atenção, o que não teria em uma instituição de saúde –seus amigos discordam, acreditam que o fardo é pesado demais. Ela concorda que é difícil, a doença evolui juntamente com a necessidade de cuidados. Mas Gail não está sozinha no esforço: ela integra um grupo crescente de idosos que cuidam de idosos.

A National Alliance for Caregiving e a AARP Public Policy Institute fazem estudos regulares do segmento de home care. O mais recente, publicado no mês de junho, focou os cuidadores com mais de 75 anos. Eles representam sete por cento das pessoas que cuidam voluntariamente de parentes ou amigos.

São três milhões de idosos ajudando outros idosos nas funções básicas (tomar banho, trocar de roupa, usar o banheiro), tarefas burocráticas (compras, transporte, bancos) e nas visitas rotineiras, sempre em número crescente, a médicos ou hospitais para consultas e exames.

Quase metade deles relata que cuida de um cônjuge; os demais ajudam irmãos e outros parentes, amigos ou vizinhos com 75 anos ou mais de idade. Cerca de oito por cento desses cuidadores mais velhos ocupam-se também dos pais.

O envelhecimento da população tem empurrado mais idosos para este papel, diz Gail Hunt, presidente e CEO da National Alliance for Caregiving. "Não costumávamos ter tantas pessoas com 95 anos de idade anos de idade como temos agora e alguém está cuidando delas."

Cuidar de um doente é desafiador para qualquer idade e envolve controvérsias. Para muitos especialistas, a ocupação acarreta o chamado “fardo dos cuidadores”. Trata-se de estresse que pode originar depressão, comprometer a saúde e, até mesmo, causar a morte prematura. Algumas dessas descobertas estão sendo reavaliadas; um estudo recente em The Gerontologist, por exemplo, argumenta que, apesar de a situação ser grave, há estudos indicando benefícios para os cuidadores — o chamado "cuidador saudável". (Minha própria hipótese: os dois resultados podem ser verdadeiros, pode haver exaustão do cuidador, mas também pode haver algum benefício para o estado geral da saúde)

No entanto, quando se trata de cuidador com mais de 75 anos, as chances de ocorrer exaustão e depressão são maiores. Essas pessoas dedicam uma média de 34 horas por semana às tarefas, são 10 horas a mais do que os cuidadores jovens, segundo a National Alliance for Caregiving. E há o agravante de que esses idosos cuidadores -- 46% deles dedicados aos cônjuges doentes -- provavelmente não terão com quem contar deles mesmos precisarem de cuidados, por isso vivem em estado permanente de tensão. “Você é responsável pela sua segurança”, diz Susan Hunt, 77 anos, que cuida do marido: "Você tem que interagir com o doente de dia e talvez todas as noites, seu sono é perturbado. É mais estresse do que o de um profissional contratado para vir periodicamente ajudar."

O cuidador mais velho típico, identificado no estudo, tinha prestado cuidados por mais de cinco anos. "Só a parte física do trabalho, erguer o outro e dar banho, por exemplo, pode lesionar o cuidador," disse Donna Wagner, pesquisadora especializada em cuidado familiar e reitora da faculdade de saúde e serviços sociais na New Mexico State University. Cuidadores mais velhos, normalmente mulheres, têm seus próprios problemas de saúde. "Minha mãe é um exemplo perfeito," conta a Dra. Wagner, descrevendo-a como uma mulher que cuidou integralmente do marido, um homem obeso com doenças cardíacas e diabetes, por sete ou oito anos. "Nem sei como ela conseguiu," explica. Depois que o marido morreu em 1985, "não demorou muito tempo para a minha mãe desenvolver um quadro de demência. É como se ela tivesse que, antes, cuidar dele para só depois se entregar à doença. Há um monte de mistérios".

Doente em casa precisa de apoio de políticas públicas

Mas não há nenhum grande mistério no que se refere aos tipos de políticas e programas que poderiam amparar os cuidadores. A sra. Hunt cita vários, incluindo a substituição temporária do cuidador oficial, disponibilização de assessores domiciliares cobertos pelo Medicare, créditos fiscais para cuidadores familiares e mais programas subsidiados para formação de adultos cuidadores/dia. Quando questionada se ela acredita em mais apoio do governo para tais esforços, ela riu. Outros países ocidentais fazem um trabalho melhor, garantiu.

Alvin Vissers, 75, aposentou-se de seu emprego como gerente de projetos de construção perto de Brevard, NC, dois anos atrás para ajudar sua esposa, Ronda, que também tem 75 e está no estágio avançado da doença de Alzheimer

Sra. Vissers, uma enfermeira, já não pode falar muito e precisa de ajuda com quase tudo — tomar banho, vestir, comer. Sem monitoramento constante, ela pode vaguear fora. Ela às vezes chama o marido com que está casada há 54 anos de "querido": "Mas eu acho que ela não percebe mais a nossa relação", diz o Sr. Vissers.

Os cônjuges podem ser relutantes em procurar ajuda, mesmo que possam pagar, afinal, quem mais poderia ser tão sensível e firme nos cuidados com o doente quanto o parceiro que viveu com essa pessoa por décadas?

O Sr. Vissers, geralmente com boa saúde apesar da pressão de sangue elevada, começou a ter dores no peito à noite (sintoma de doença do refluxo, descobriu-se). Vissers soube que, recentemente, outro marido cuidador, da igreja que frequenta, foi hospitalizado com insuficiência cardíaca, enviando sua esposa dependente para uma enfermaria. "Não serei bom para Ronda se lhe der todo esse cuidado e ela sobreviver a mim, ficando desamparada com a minha morte". Por causa da percepção de que o estresse de cuidar da esposa 100% do tempo era demais, no ano passado, o Sr. Vissers começou a levar sua esposa para um programa de cuidados/dia três vezes por semana. "Funcionou tão bem que fomos para cinco dias," ele disse.

A filha mais nova do casal, que se mudou para um apartamento na casa dos pais, faz o jantar quase todas as noites. O Sr. Vissers pode, assim, exercer seu papel de voluntário na comunidade e participar de reuniões em grupos de apoio a cuidadores.

Um dia, ele sabe, sua esposa pode tornar-se também incapacitada para frequentar um programa de cuidados/dia. Ele terá que contratar um ajudante domiciliar ou, eventualmente, encontrar uma casa de repouso. Mas ainda não. "Eu disse a ela quando isso começou, ' querida, você já cuidou de mim 50 anos; Acho que é a minha vez,' ", lembrou. “Mas só agora estou descobrindo de verdade o que essas palavras significam."

(Publicado originalmente no The New York Times, 24 jul2015, Livre tradução e adaptação de Biografia do Idoso Oficina e Edições)

 
 
 

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