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Quando um homem ama uma mulher

  • Christiane Brito
  • 31 de jul. de 2015
  • 3 min de leitura

No verão de 1944, o poeta surrealista Robert Desnos escreveu uma carta para Youki de Terezin, onde estava prisioneiro porque lutou na resistência contra o nazismo. Foi a primeira das muitas últimas linhas que dirigiu à amada: Meu amor, Nosso sofrimento poderia ser suportável se eu não estivesse vivendo essa distância como uma doença irrecuperável. Nossa união certamente tornaria nossas vidas felizes por pelo menos uns 30 anos. Pela minha parte, eu estou tomando um gole profundo da juventude, vou voltar cheio de amor e força.

Quando fiz aniversário, me presenteei com uma longa meditação sobre você. Será que agora, esta minha carta vai chegar a tempo para o seu aniversário? Eu gostaria de dar-lhe cem mil cigarros americanos, uma dúzia devestidos de alta costura, um apartamento em frente ao Sena, um automóvel, uma pequena casa na floresta de Compiègne e um pequeno buquê de quatro centavos. Na minha ausência, você pode ir em frente e comprar as flores. Reembolsarei você. Prometo o resto para mais tarde.

Mas, antes de tudo, tome uma garrafa do melhor vinho e pense em mim. Eu espero que nossos amigos não deixem você sozinha neste dia. Eu agradeço a eles a devoção e coragem.

Eu recebi uma carta de Jean-Louis Barrault há cerca de uma semana. Beije-o na nuca por mim. Beije também Madeleine Renaud, que me enviou correspondência comprovando que vocês estão recebendo minhas notícias daqui. Nunca recebi retorno seu, mas aguardo por ele todos os dias.

Beije toda família por mim, Lucienne, Tante Juliette, Georges. Se encontrar o irmão de Passuer, transmita-lhe minhas saudações e pergunte se ele conhece alguém que pode lhe ajudar na minha ausência.

Quais as novidades em relação à publicação dos meus livros? Eu tenho muitas novas ideias para poemas e romances. Não consegui levá-las ao papel por falta de liberdade e de tempo.

Apesar disso, você pode avisar à Gallimard que em três meses, assim que eu retornar a Paris, eles receberão meu manuscrito com uma história de amor em estilo totalmente diferente.

Estou finalizando hoje, 15 de julho, data em que recebi cartas de Julia, Dr. Benet e Daniel. Agradeça a todos e explique que minhas respostas podem demorar porque eu só posso escrever uma carta por mês, segundo as regras do campo.

Meu amor, beijo você suavemente e com todo o respeito que uma carta, a ser submetida à leitura de censores, exige. Mil beijos. Ah, você recebeu minha pequena esperança que enviei do fundo do peito para um hotel em Compiègne?

Robert

* Youki (Lucie Badoud) era casada com Foujita (pintor japonês-francês) quando conheceu Robert Desnos, poeta surrealista, em 1928. À primeira vista, não simpatizou com seu jeito infantil, mas logo tornaram-se amigos e Robert tornou-se um visitante costumeiro na casa.Com o tempo, Desnos foi se despaixonando de Yvonne George, sua musa, e transferindo seu afeto para Youki.

Em outubro de 1931, o casamento de Youki já estava acabado. No dia 31, Foujita saiu para comprar cigarros e, em vez disso, comprou passagens de navio para o Brasil, embarcou com uma amante, sua nova modelo.

Deixou um bilhete de despedida no qual escreveu “Eu não tenho mais motivos para ficar em Paris..Deixe-me tentar a vida simples com a qual sonho...você agora tem um amigo fervoroso, Robert...que tomou o meu lugar e, para ele, você é a pessoa mais amada deste mundo.”

Youki e Desnos casaram-se. O poeta foi deportado para um campo de concentração em 1944. Sua primeira prisão foi Auschwitz, depois foi deportado para Buchenwald, e, finalmente Terezin, na Checoslováquia. Morreu de tifo em 1945, num hospital local, poucas semanas após os aliados vencerem a guerra e libertarem os prisioneiros do campo. Está enterrado em Montparnasse, cemitério em Paris.

Deixou muitos textos para Youki, como o poema a seguir, fala do milagre do amor correspondido:

Many times upon a time

There was a man who loved a woman.

Many times upon a time

There was a woman who loved a man.

Many times upon a time

There was a man and there was a woman

Who did not love the ones who loved them.

Once upon a time

Perhaps only once

A man and a woman who loved each other.

(Robert Desnos, Fairy Tale)

 
 
 

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