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  • Christiane Brito

Lucília no limbo


Entre a viúva que se tornou e a amante que poderia se tornar não soube escolher. Estava bem como esposa, mas o esposo decidiu retirar-se cedo sem cerimônia.

Guardar memórias e álbum de casamento não preencheu, mas impediu que vencesse a vontade de enlouquecer, mansa e crescentemente corrosiva por dentro.

Nem fóssil nem fatal, nem frígida nem fêmea, ficou no limbo do esquecimento. Contou-me com sopro gélido de embalsamada viva sobre a invisibilidade da mulher após os 50, de nada lhe servem agora opiniões, ninguém escuta. Mas eu ouvia e a enxergava do avesso, entranhas exatamente como as minhas e de todas.

A vida é cruel com mulheres depois da menopausa gritou-me dias depois, num tom de voz controladamente baixo, a ginecologista. Fosse Deus clemente mulheres deviam partir aos 40! No entanto vivem mais que os homens, talvez como jogador que está perdendo e dobra apostas na ilusão de virar o jogo. Ou como quem tem tanto medo que paralisa a meio caminho entre o amor que aterroriza e a morte que enamora.

Que filme de horror é a vida para com as que povoam o mundo com suas almas e rebentos, ventres da desumanidade.

A magnitude das sacerdotisas virou cinzas nas fogueiras da inquisição. O pós-vida é para bem poucas, as que sabem se arriscar e conviver com a solidão desde meninas. As que sabem criar saídas na fantasia, valem versos ou filhos, e desidentificar-se do objeto sexual que são desde o nascimento.

(2001)

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