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  • Christiane Brito

Liberdade


...Eu estava com esse cara, apresentado por uma amiga. No bar onde o conheci ele chegou atrasado, tinha pego no sono sem querer, perdera a hora, blablabla.

Antes de o ver, pensei em esnobar, depois caí de amores. No segundo dia, o do piquenique, mesma coisa. Acordei extraordinariamente cedo e o esperei com minha amiga na porta da casa dela durante quase uma hora.

Chegou com o irmão e o primo, pediu que eu sentasse com ele na frente, no carro, sorrisinho de desgosto por me ver indo para o banco de trás. Cedi. E quando ele colocou no toca-fitas a música que eu havia mencionado no primeiro encontro, me derreti.

E assim ele se livrou das duas broncas por atrasos e me revelou um traço marcante de caráter, a falta de pontualidade. Emendamos manhã, tarde e noite, churrasco, pizza e motel. Como eu havia acordado bem mais cedo que ele, para honrar presença no horário combinado, dormi logo depois. Coisa de homem eu sei. Mas não coisa dele.

Passou as mãos nos meus cabelos e falou manso me olhando de olhos fechados: não dorme, a gente tem de conversar para se conhecer melhor.

Alguma mulher já ouviu isso na primeira noite? E assim iniciei minha saga de esperar ligação dele. Eu montava tocaia no telefone, hipnotizada por aquele moderno aparelho de teclas que não tocava. Implorava muda como o mudo telefone que ele ligasse, afastava qualquer humano do meu sagrado território da espera com desmedida violência. Uma louca que sempre me acharam, isso era o que nada me importava naquela hora. No minuto extremo da decisão por pênaltis, o gol misericordioso. Salva por um tempo mais.

Então tirei férias. E o meu traço de caráter mais marcante, a impulsividade, me arrastou num ônibus por 14 horas rumo a Brasília numa noite que deveria ser calma em frente à TV. Ninguém soube, exceto a amiga com quem me encontraria na viagem.

Meu corpo seguia numa direção, a alma em direção contrária, voltava, voltava, clamava pelo amado. O corpo turrão de mulher decidida independente estóico vencia o braço de ferro. Semi-adormeci me vendo do lado de fora da janela dele, batendo histérica, o som parecia de vento. Ele não poderia imaginar que o barulho estava sendo causado por um ser, não sei se humano, etéreo, mas despojado de brios.

Saudade, remorso, eram o que me impelia. Vi que ele estava com uma ruga na testa, tinha me ligado conforme o combinado, lógico que tarde, e descobrira que eu estava fora da cidade.

Aqui na tua janela, meu amor. Homem nenhum me põe cabresto. Minhas vozes interiores, no seu costumeiro plantão 24 horas, duelavam. Em vão, era só devaneio, de fato eu estava longe.

Na parada, no bar de tipos mal-encarados e café vencido, um pacote de Free pisado me chamou a atenção. Era a metáfora da minha liberdade, esmagada, inútil como aquele pacote de cigarros. Eu a desprezava naquele momento em que tudo o que queria era ser uma gatinha adormecida aos pés dele, totalmente cativa. Liberdade é ter. Dinheiro, opção, ideias e homem que nos tire a liberdade.

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