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  • Christiane Brito*

Ageísmo: o horror ao envelhecimento


James Collins

Marilyn Monroe, aos 34 anos, visita idosos. Ela já enfrentava preconceito etário na carreira e o horror de ser rejeitada por causa do envelhecimento. A beleza, segundo a crítica, era seu mais elevado atributo. Marilyn foi vítima de ageísmo.

Eu tinha uns 37 anos quando uma headhunter me telefonou, convidou para uma entrevista. Ela havia pesquisado meus artigos na área editorial de gestão e recursos humanos, por isso me selecionou.

Quando me viu, a primeira frase (já havia perguntado minha idade por telefone) foi: "Que bom, você não aparenta a idade que tem!"

Na época, eu sequer pensava em ageísmo, não identifiquei o elogio com preconceito, só bem mais tarde percebi o que acontece com as pessoas que se deixam envelhecer cedo, seja na aparência, modos ou jeito de falar.

O artigo a seguir relata um contexto típico dos Estados Unidos -- onde o preconceito etário é declarado e, por isso, mais cruel do que no Brasil, acho.

O autor, Ashton Applewhite, lançou livro com manifesto contra o ageísmo e, no texto abaixo, publicado no The New York Times, ele oferece uma boa amostra do que acontece com os velhos, os que efetivamente ultrapassam a faixa fronteiriça dos 65 anos.

QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?! VAMOS MANTER CONTATO

Por Ashton Applewhite* (The New York Times)

Em 2016, cerca de 20% dos norte-americanos com 65 anos ou mais estão trabalhando. Parte desses o faz por escolha, mas a maioria precisa de novas fontes de renda para manter um padrão de vida decente.

Esses idosos em atividade costumam apresentar com ótima produtividade e potencial criativo além da média. Trabalhadores veteranos podem contribuir com conhecimentos relevantes, adquiridos na prática, habilidades mais desenvolvidas graças à experiência, mais clareza em tomada de decisões e uma visão mais ampla e profunda de cenário, seja o do mercado ou o corporativo.

Ou seja, possuem um capital social elevado, o que é muito valorizado na atualidade, saúde, educação de primeira e bons relacionamentos.

PRECONCEITO

Se assim é, então por que mais de um milhão e meio de norte-americanos com mais de 50 anos, pessoas com décadas de vida à frente, não consegue colocação no mercado?

Não se trata de um problema pessoal, mas estrutural. Resulta de atitudes e práticas institucionalizadas de discriminação, que não podem mais ser simplesmente ignoradas. Elas não atingem apenas um indivíduo, mas a sociedade.

O problema tem um nome, “ageísmo”, ou “preconceito etário”. A obsessão pela juventude ultrapassou todo limite do bom senso.

BOTOX ANTES DA ENTREVISTA

No Vale do Silicone, engenheiros submetem-se ao preenchimento de rugas com Botox e a implante de cabelo antes de se submeterem a entrevistas de trabalho. Costumam ser engenheiros bem-sucedidos na sua profissão, trazem bom currículo e experiência. Imaginem o sentimento de impotência ao se submeterem a intervenções estéticas por desespero de causa: precisam do emprego.

Discriminação por idade em entrevista de seleção e recrutamento é ilegal, mas dois terços dos idosos que viveram a experiência reportam o preconceito. Com 64 anos, sinto-me afortunado não por estar no time dos idosos, mas porque trabalho no Museu Americano de História Natural, uma instituição verdadeiramente amigável no que se refere ao envelhecimento do trabalhador.

Eu escrevo sobre ageísmo, portanto, escuto relatos de discriminação todo o tempo. Um motorista de Uber, de 51 anos, contou-me a caminho do Aeroporto Internacional de Los Angeles, para onde me levava, que poucas semanas antes se candidatara para uma vaga na área de marketing, em que sempre atuou. Altamente qualificado, chegou à etapa da entrevista e achou que se dera bem, mas, enquanto caminhava pelo corredor da empresa em direção à saída, ouviu um desconhecido comentar: “Sim, ele é perfeito, mas é também muito velho”.

Aparentemente, os recrutadores – especialmente em áreas de tecnologia ou games – consideram que a pouca idade é prova de competência, porque trata-se de uma geração de “nativos digitais”.

MULHERES

“Eu me sinto cheia de energia para o trabalho, mas percebo que toda minha experiência representa um fator negativo para a contratação”, assume Christina Economos, uma educadora social com mais de 40 anos de experiência no desenvolvimento de currículos.

Um estudo de 2016, do National Bureau of Economic Research, detectou “inegável” evidência de que a idade da discriminação começa mais cedo para as mulheres e só piora. A partir dos 32 anos, as promoções tornam-se raras ou mesmo impossíveis.

DEPENDÊNCIA

Desencorajados e mal vistos, muitos idosos norte-americanos deixam de procurar emprego. Tornam-se, assim, economicamente dependentes de terceiros, o que acaba por confirmar a crença preconceituosa de que os velhos são um estorvo social.

Como os maiores de 60 podem posicionar-se ativamente na vida se são excomungados do mercado de trabalho?

Nenhum estereótipo negativo sobre trabalhadores mais velhos se sustenta. Dados comprovam que são pessoas confiáveis, lidam melhor com o estresse e se engajam completamente com o trabalho quando têm a oportunidade de empreender e crescer na carreira. Enfim, podem ter qualidades, além da experiência, superiores às dos jovens e mais produtivas para a empresa.

Pessoas mais velhas podem precisar de um treinamento mais longo do que os jovens em novas funções, mas isso também os leva a cometerem menos erros quando estão em ação.

Os trabalhadores mais velhos são muito afetados pelo renitente e injusto preconceito etário, que, na verdade, causa mais problemas do que a idade em avanço. Reconhecimento e motivação fazem um bem e é ele que causa levam mais tempo para se recuperarem que enfrentam a recusa e o preconceito por parte dos recrutadores têm mais dificuldade de recuperar-se para novas tentativas.

DESASTRE

Integrar uma equipe de jovens pode ser desafiador. Betsy Martens tinha 55 quando conseguiu uma posição de arquiteta em uma start-up, ela achou revigorante. “Quando surgiram oportunidades de conversas sobre as músicas que gostávamos, os livros que líamos, experiências de vida, me dei conta de que pertencíamos a planetas diferentes, mas estávamos com nossas mentes abertas para trocas, considerei instigante a chance de assimilar o que compartilhamos”. Tudo desmoronou rapidamente em uma discussão com a sua chefe, na qual a mulher acusou-a exasperadamente: “Você fala como a minha mãe”.

A cultura organizacional bane o diferente do ambiente – a ideia é que as pessoas tenham atitudes, bagagens e estilo de trabalho semelhantes. Isso pode explicar a rejeição ao velho, “que não é um de nós”. O desconforto de buscar a superação do “gap” etário, que o mais velho empreende, demonstra a segregação social por idade.

SOLUÇÃO

O gerontologista Karl Pillemer diz que os norte-americanos estão mais abertos a terem amigos de outra raça do que estabelecerem vínculos de amizade com pessoas dez anos mais novos ou mais velhos do que eles.

Segregação etária empobrece a sociedade, porque interrompe uma ordem natural segundo a qual os mais velhos dividem suas experiências e histórias com os mais jovens. Nos Estados Unidos, essa ordem foi invertida e são os mais jovens que ensinam.

O que essa exclusão e preconceito estão criando no mundo corporativo? Algo parecido com o que as mulheres enfrentam, por exemplo, o idoso é visto como um trabalhador com menos competência, o que justifica menor salário e menos promoções. Parecem problemas pessoais, mas são questões políticas e envolvem a luta de todos para romper estereótipos.

Confrontar o ageísmo e vencê-lo significa ter amigos de todas as idades, com os quais se convive socialmente, não apenas no trabalho.

Confrontar o ageísmo significa juntar forças, perceber que os mais velhos não são de outro planeta, não são “o outro”, mas “nós” – nós no futuro, simplesmente assim.

* Ashton Applewhite é autor de “This Chair Rocks: A Manifesto Against Ageism”; artigo originalmente publicado no The New York Times, livre adaptação de Christiane Brito

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